top of page

Data centers de IA intensificam crise hídrica global, alertam especialistas

Atualizado: 25 de jun.

Enquanto especialistas alertam para o risco ambiental, outros defendem que o uso hídrico em data centers não representa desperdício, mas um ciclo sustentável.


Por: João Paulo Bessa




Fidel Contreras, técnico líder de data center da AWS, inspeciona um rack de servidores no data center da empresa em Oregon. (Foto: Amazon Web Services)
Fidel Contreras, técnico líder de data center da AWS, inspeciona um rack de servidores no data center da empresa em Oregon. (Foto: Amazon Web Services)

A crescente demanda por data centers de inteligência artificial está intensificando o uso de água em sistemas de resfriamento, destaca o executivo Andrew Collier, da Veolia Water Technologies & Solutions. Estudos apontam que o ChatGPT, para atender cerca de 122,5 milhões de usuários por dia, movimenta mensalmente cerca de 55,5 milhões de litros de água em seus sistemas. “A água é um recurso precioso e limitado, as empresas precisam adotar uma gestão consciente”, defende Collier.


Segundo a World Wildlife Federation, a escassez de água pode afetar até 66% da população mundial já no próximo ano. Nesse cenário, os data centers chamam atenção pelo volume necessário para manter servidores e equipamentos em temperaturas ideais. “A enorme sede dos data centers decorre da necessidade de manter temperaturas ideais para servidores densamente compactados e racks de hardware. Um único centro pode utilizar milhões de galões de água por ano em seus sistemas de resfriamento”, explica Collier. O superaquecimento, além de prejudicar a performance, pode causar falhas no sistema, perda de dados e períodos de inatividade dispendiosos.


Com o avanço das inteligências artificiais, esse impacto tende a aumentar. Um estudo realizado pela Universidade da Califórnia estima que entre 0,5 e 1 litro de água seja necessário para realizar entre 20 e 50 consultas em sistemas baseados em IA. A princípio, o volume pode parecer pequeno, no entanto, considerando a escala global, o número se torna expressivo. Em fevereiro de 2025, por exemplo, o ChatGPT registrou uma média de 122,5 milhões de acessos diários, o que representa, mesmo em um cenário conservador, um consumo mensal superior a 50 milhões de litros de água.


O debate sobre o impacto ambiental da IA, no entanto, ainda é escasso. Enquanto as inovações avançam rapidamente, pouco se discute sobre os efeitos colaterais de seu funcionamento intensivo, especialmente no consumo de recursos naturais como água e energia.


Desde a criação do termo “inteligência artificial” em 1956, durante a conferência de Dartmouth, nos Estados Unidos, a tecnologia passou por um lento processo de desenvolvimento, até alcançar o protagonismo atual. O uso de redes neurais e aprendizado de máquina, machine learning, impulsionou o surgimento de modelos cada vez mais complexos, capazes de reconhecer padrões, prever comportamentos e tomar decisões com base em grandes volumes de dados. A popularização do ChatGPT, no fim de 2023, foi um marco desse processo.


O debate sobre o impacto ambiental da IA


Ao contrário de outras tecnologias, a inteligência artificial não é uma ferramenta estática. Está em constante evolução, com novos modelos sendo lançados continuamente, e ampliando sua presença na rotina das pessoas. Ainda assim, muitos usuários desconhecem os impactos ambientais do funcionamento desses sistemas. Para especialistas, é necessário tornar esse debate mais transparente e exigir das empresas medidas que mitiguem os danos.


“O desafio está em inovar sem comprometer o planeta”, afirma Collier. Segundo ele, tecnologias de reúso e reciclagem de água já vêm sendo adotadas por empresas com visão de futuro. Um exemplo é o sistema TrueSense Ready Set Go, desenvolvido pela Veolia, que permite o monitoramento inteligente dos sistemas de resfriamento e pode reduzir pela metade o consumo de água. Em um único data center, a economia chegou a 12 milhões de galões por ano.


Na Virgínia, nos Estados Unidos, outra iniciativa bem-sucedida substituiu o sistema tradicional de amaciamento de água por um modelo com controle de pH, mais eficiente e sustentável. A mudança eliminou o uso de salmoura e reduziu os custos operacionais.


Ferramentas como o Hubgrade Water Footprint também têm ganhado espaço. A solução oferece visibilidade em tempo real sobre o uso da água, ajudando empresas a reduzirem não só o consumo hídrico, mas também o uso de energia e as emissões de gases de efeito estufa, um subproduto da geração elétrica, muitas vezes dependente de fontes não renováveis, que alimenta os data centers.



Uso consciente ou ciclo virtuoso?


O data center subaquático da Microsoft mergulhado a 35 metros de profundidade na costa das Ilhas Orkney, Escócia. (Foto: Jonathan Banks/Microsoft/Divulgação)
O data center subaquático da Microsoft mergulhado a 35 metros de profundidade na costa das Ilhas Orkney, Escócia. (Foto: Jonathan Banks/Microsoft/Divulgação)

Em entrevista ao portal de notícias Startupi, o especialista Rafael Astuto, gerente executivo de engenharia de vendas da Ascenty, disse que o uso da água nesses ambientes não configura um “gasto” nos moldes tradicionais. Ele argumenta que, diferentemente do que ocorre em setores que consomem e contaminam a água, os data centers operam em ciclos de troca térmica que não alteram a composição do recurso. “É importante ressaltar que você não está consumindo essa água, você não está poluindo ou mudando a qualidade e o pH, nem injetando algum tipo de químico nela. Você simplesmente está utilizando essa água para trocar calor. Ela entra fria, rouba calor do meio ambiente e retorna mais quente. E esse ciclo continua de maneira virtuosa, sem qualquer prejuízo para o meio ambiente”, afirma.


Assim como ocorre em usinas nucleares, que utilizam água do mar ou de rios para controlar a temperatura dos reatores, muitos data centers adotam soluções similares. Nos Estados Unidos, há centros de dados construídos dentro de montanhas que aproveitam lagos subterrâneos e lençóis freáticos para a troca de calor, otimizando o uso de recursos naturais e aumentando a sustentabilidade da operação.


Para aliviar o peso na consciência, ou ficar ainda mais preocupado com a pegada de carbono, Rafael Astuto lembra que a geração de imagens ou textos por meio do ChatGPT não é a única atividade do cotidiano que gera emissões. “Se pararmos para pensar, toda fonte de energia que nós geramos tem a sua pegada de carbono, todo o nosso dia a dia hoje, desde ligar uma televisão, o computador, carregar o celular, abastecer o carro no posto de gasolina, carregar o carro elétrico na tomada, tudo isso que a gente faz, tem uma pegada de carbono. É natural que isso aconteça”, conclui.


À medida que a inteligência artificial se consolida como um dos pilares da era digital, especialistas apontam que seu futuro depende de decisões sustentáveis no presente. Para alguns, isso significa reduzir o consumo de água. Para outros, melhorar a eficiência energética. Em comum, o entendimento de que a inovação tecnológica deve caminhar lado a lado com a preservação dos recursos naturais.


Comentários


Em destaque

bottom of page