Data centers de IA intensificam crise hídrica global, alertam especialistas
- João Paulo Bessa
- 26 de mai.
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Atualizado: 25 de jun.
Enquanto especialistas alertam para o risco ambiental, outros defendem que o uso hídrico em data centers não representa desperdício, mas um ciclo sustentável.
Por: João Paulo Bessa

A crescente demanda por data centers de inteligência artificial está intensificando o uso de água em sistemas de resfriamento, destaca o executivo Andrew Collier, da Veolia Water Technologies & Solutions. Estudos apontam que o ChatGPT, para atender cerca de 122,5 milhões de usuários por dia, movimenta mensalmente cerca de 55,5 milhões de litros de água em seus sistemas. “A água é um recurso precioso e limitado, as empresas precisam adotar uma gestão consciente”, defende Collier.
Segundo a World Wildlife Federation, a escassez de água pode afetar até 66% da população mundial já no próximo ano. Nesse cenário, os data centers chamam atenção pelo volume necessário para manter servidores e equipamentos em temperaturas ideais. “A enorme sede dos data centers decorre da necessidade de manter temperaturas ideais para servidores densamente compactados e racks de hardware. Um único centro pode utilizar milhões de galões de água por ano em seus sistemas de resfriamento”, explica Collier. O superaquecimento, além de prejudicar a performance, pode causar falhas no sistema, perda de dados e períodos de inatividade dispendiosos.
Com o avanço das inteligências artificiais, esse impacto tende a aumentar. Um estudo realizado pela Universidade da Califórnia estima que entre 0,5 e 1 litro de água seja necessário para realizar entre 20 e 50 consultas em sistemas baseados em IA. A princípio, o volume pode parecer pequeno, no entanto, considerando a escala global, o número se torna expressivo. Em fevereiro de 2025, por exemplo, o ChatGPT registrou uma média de 122,5 milhões de acessos diários, o que representa, mesmo em um cenário conservador, um consumo mensal superior a 50 milhões de litros de água.
O debate sobre o impacto ambiental da IA, no entanto, ainda é escasso. Enquanto as inovações avançam rapidamente, pouco se discute sobre os efeitos colaterais de seu funcionamento intensivo, especialmente no consumo de recursos naturais como água e energia.
Desde a criação do termo “inteligência artificial” em 1956, durante a conferência de Dartmouth, nos Estados Unidos, a tecnologia passou por um lento processo de desenvolvimento, até alcançar o protagonismo atual. O uso de redes neurais e aprendizado de máquina, machine learning, impulsionou o surgimento de modelos cada vez mais complexos, capazes de reconhecer padrões, prever comportamentos e tomar decisões com base em grandes volumes de dados. A popularização do ChatGPT, no fim de 2023, foi um marco desse processo.
O debate sobre o impacto ambiental da IA
Ao contrário de outras tecnologias, a inteligência artificial não é uma ferramenta estática. Está em constante evolução, com novos modelos sendo lançados continuamente, e ampliando sua presença na rotina das pessoas. Ainda assim, muitos usuários desconhecem os impactos ambientais do funcionamento desses sistemas. Para especialistas, é necessário tornar esse debate mais transparente e exigir das empresas medidas que mitiguem os danos.
“O desafio está em inovar sem comprometer o planeta”, afirma Collier. Segundo ele, tecnologias de reúso e reciclagem de água já vêm sendo adotadas por empresas com visão de futuro. Um exemplo é o sistema TrueSense Ready Set Go, desenvolvido pela Veolia, que permite o monitoramento inteligente dos sistemas de resfriamento e pode reduzir pela metade o consumo de água. Em um único data center, a economia chegou a 12 milhões de galões por ano.
Na Virgínia, nos Estados Unidos, outra iniciativa bem-sucedida substituiu o sistema tradicional de amaciamento de água por um modelo com controle de pH, mais eficiente e sustentável. A mudança eliminou o uso de salmoura e reduziu os custos operacionais.
Ferramentas como o Hubgrade Water Footprint também têm ganhado espaço. A solução oferece visibilidade em tempo real sobre o uso da água, ajudando empresas a reduzirem não só o consumo hídrico, mas também o uso de energia e as emissões de gases de efeito estufa, um subproduto da geração elétrica, muitas vezes dependente de fontes não renováveis, que alimenta os data centers.
Uso consciente ou ciclo virtuoso?

Em entrevista ao portal de notícias Startupi, o especialista Rafael Astuto, gerente executivo de engenharia de vendas da Ascenty, disse que o uso da água nesses ambientes não configura um “gasto” nos moldes tradicionais. Ele argumenta que, diferentemente do que ocorre em setores que consomem e contaminam a água, os data centers operam em ciclos de troca térmica que não alteram a composição do recurso. “É importante ressaltar que você não está consumindo essa água, você não está poluindo ou mudando a qualidade e o pH, nem injetando algum tipo de químico nela. Você simplesmente está utilizando essa água para trocar calor. Ela entra fria, rouba calor do meio ambiente e retorna mais quente. E esse ciclo continua de maneira virtuosa, sem qualquer prejuízo para o meio ambiente”, afirma.
Assim como ocorre em usinas nucleares, que utilizam água do mar ou de rios para controlar a temperatura dos reatores, muitos data centers adotam soluções similares. Nos Estados Unidos, há centros de dados construídos dentro de montanhas que aproveitam lagos subterrâneos e lençóis freáticos para a troca de calor, otimizando o uso de recursos naturais e aumentando a sustentabilidade da operação.
Para aliviar o peso na consciência, ou ficar ainda mais preocupado com a pegada de carbono, Rafael Astuto lembra que a geração de imagens ou textos por meio do ChatGPT não é a única atividade do cotidiano que gera emissões. “Se pararmos para pensar, toda fonte de energia que nós geramos tem a sua pegada de carbono, todo o nosso dia a dia hoje, desde ligar uma televisão, o computador, carregar o celular, abastecer o carro no posto de gasolina, carregar o carro elétrico na tomada, tudo isso que a gente faz, tem uma pegada de carbono. É natural que isso aconteça”, conclui.
À medida que a inteligência artificial se consolida como um dos pilares da era digital, especialistas apontam que seu futuro depende de decisões sustentáveis no presente. Para alguns, isso significa reduzir o consumo de água. Para outros, melhorar a eficiência energética. Em comum, o entendimento de que a inovação tecnológica deve caminhar lado a lado com a preservação dos recursos naturais.
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