China avança na corrida pela energia do futuro com o “Sol Artificial”
- Vinicius Coutinho
- 24 de jun.
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Por: Vinicius Coutinho

A China está cada vez mais próxima de realizar um dos maiores sonhos da ciência moderna: dominar a fusão nuclear, fonte de energia limpa, segura e praticamente inesgotável. No centro dessa corrida tecnológica está o EAST (Experimental Advanced Superconducting Tokamak), apelidado de “sol artificial”, um dos reatores de fusão mais avançados do mundo, operado pelo Instituto de Física de Plasma da Academia Chinesa de Ciências, na cidade de Hefei, província de Anhui. Segundo o professor Gustavo Canal, da Universidade de São Paulo (USP), se for consolidada, essa tecnologia tem potencial para revolucionar o setor elétrico mundial.
O objetivo do EAST é replicar o processo de fusão que ocorre naturalmente no interior do Sol, onde núcleos de hidrogênio se fundem e liberam enormes quantidades de energia. Para isso, o reator chinês utiliza campos magnéticos extremamente poderosos, capazes de confinar plasma superaquecido a temperaturas que ultrapassam os 100 milhões de graus Celsius, mais quentes que o próprio núcleo solar. A expectativa é que, com o avanço dessa tecnologia, a humanidade consiga produzir eletricidade de forma sustentável, sem emissão de carbono e sem gerar os resíduos radioativos perigosos associados à fissão nuclear tradicional.
Nos últimos anos, os resultados do EAST impressionaram a comunidade científica internacional. Em 2021, o reator chinês atingiu 120 milhões de graus Celsius durante 101 segundos e, pouco depois, bateu outro recorde ao alcançar 160 milhões de graus por 20 segundos. Já em 2023, o equipamento manteve o plasma em alta temperatura por 403 segundos, um feito inédito que representa um passo decisivo na direção da fusão sustentável e contínua.
O professor Gustavo Canal explica que, se a fusão nuclear se tornar viável comercialmente, poderá desencadear uma revolução no setor energético global.
“Seu maior atrativo reside na geração de energia limpa, abundante e praticamente inesgotável, sem emissão direta de gases de efeito estufa. E, diferente das fontes renováveis intermitentes, como solar e eólica, ela oferece geração contínua, funcionando como uma fonte limpa e estável”, afirma.
Ele destaca que, apesar dos investimentos iniciais serem altos, o custo do combustível (principalmente o deutério, extraído da água do mar) é muito baixo.
“No longo prazo, isso poderia gerar energia a preços muito mais acessíveis e reduzir drasticamente a dependência de combustíveis fósseis”, completa.
No campo ambiental, Canal também aponta que a fusão nuclear se mostra uma das tecnologias mais seguras e sustentáveis em desenvolvimento.
“Do ponto de vista ambiental, a fusão não gera gases de efeito estufa e nem resíduos radioativos de longa duração, como ocorre na fissão. Além disso, o processo é intrinsecamente seguro. Se algo der errado, o reator simplesmente para, não há risco de explosões nucleares. Por outro lado, o manuseio de materiais como o trítio exige protocolos rigorosos de segurança e há desafios no descarte de alguns materiais irradiados, ainda que em quantidade e toxicidade muito menores”, explica.
Além dos impactos ambientais e econômicos, o professor ressalta as consequências geopolíticas dessa transformação.
“A fusão traria uma redistribuição do poder energético global. Países hoje dependentes da importação de petróleo, gás ou carvão poderiam alcançar autossuficiência, o que reduziria conflitos e aumentaria a segurança energética mundial”, analisa.
Os avanços do projeto chinês também dialogam com outros grandes esforços internacionais, como o ITER, sediado na França, do qual a China é uma das principais colaboradoras. O ITER deverá iniciar seus testes experimentais em 2025 e, se bem-sucedido, servirá como base para o desenvolvimento de usinas comerciais a partir de 2050.
Para Gustavo, o sucesso desses projetos pode ter efeitos diretos na diversificação das matrizes energéticas de países emergentes, como o Brasil.
“Se comprovarem sua viabilidade, abrirão caminho para que países que hoje dependem de hidrelétricas, fósseis e renováveis intermitentes passem a considerar a fusão como uma fonte complementar, limpa e estável. No nosso caso, seria uma alternativa de baixíssimo impacto ambiental, especialmente frente aos desafios climáticos que afetam nossas hidrelétricas. O acesso à tecnologia exigirá investimentos robustos, qualificação de mão de obra e políticas de longo prazo. Se não houver um planejamento estratégico, os benefícios podem acabar ficando concentrados nas nações mais desenvolvidas”, conclui.
O chamado “sol artificial” chinês ainda está longe de abastecer casas e indústrias, mas já ilumina o caminho para um novo capítulo na história da energia. Em meio aos desafios técnicos e às exigências de longo prazo, o projeto representa não só uma façanha da engenharia moderna, mas também uma promessa concreta de que, em algumas décadas, o poder das estrelas poderá estar ao alcance da Terra.
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