Ruptura dos EUA com o Acordo de Paris pode acelerar o surgimento de novas lideranças internacionais
- Rodrigo Fidalgo e Gabriela Chambareli
- 26 de mai.
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Atualizado: 1 de jul.
Por: Gabriela Chambarelli e Rodrigo Fidalgo

Quando a maior economia do mundo decide abandonar um pacto climático internacional, o impacto vai muito além das manchetes. A saída oficial dos Estados Unidos do Acordo de Paris, consolidada por uma administração criticada pelo negacionismo, expôs as fragilidades de uma governança global que ainda depende, em grande parte, de vontades políticas voláteis. Mas, para alguns especialistas, essa ruptura também pode acelerar o surgimento de novas lideranças internacionais, inclusive com o Brasil no centro desse novo eixo climático.
Para Claudio Angelo, jornalista, com mais de 20 anos de experiência em política internacional e negociações climáticas, a maior gravidade não é a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. “Isso, em si, é até secundário. O problema real é que, com isso, eles decidiram abandonar qualquer esforço de combate às emissões de gases de efeito estufa”.
Os EUA são responsáveis por cerca de 5 bilhões de toneladas de emissões anuais de carbono, um volume que compromete diretamente a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C , objetivo central do Acordo de Paris. A ausência de compromissos concretos e o desmonte interno de instituições voltadas à política ambiental ampliam o descrédito internacional e dificultam o avanço das negociações multilaterais.
Desaparecimento completo
A decisão de sair do acordo foi acompanhada por um processo sistemático de desmonte de estruturas internas. Departamentos dedicados à questão climática foram extintos, o país deixou de participar de fóruns como o G20 e passou a se ausentar das mesas de negociação ambiental. “Já não comparecem às reuniões multilaterais, não têm presença no debate, nem mesmo para obstruir. É um desaparecimento completo”, afirma Angelo.
Esse isolamento voluntário tem repercussões diretas na confiança entre os países. “Os países em desenvolvimento não vão querer cortar emissões, se não recebem financiamento dos países ricos. E os EUA são um grande devedor climático”, aponta. Com menos recursos internacionais disponíveis, os compromissos assumidos por outros países também começam a perder força.
Além da diplomacia, os sinais enviados ao setor privado têm peso decisivo na trajetória das emissões. “Quando a Casa Branca demonstra que vai se engajar no combate às emissões, o capitalismo se adapta. Empresas, bancos, o setor de energia , todos se movem porque sabem que haverá regulação”, explica Angelo. A ausência dessa sinalização estimula o desengajamento: bancos recuam, empresas relativizam suas metas de carbono e setores inteiros passam a atuar com menor responsabilidade ambiental.
Esse movimento reforça um ciclo de retrocesso. “O mais prejudicial é que o negacionismo do governo contamina toda a estrutura econômica. E isso reverbera globalmente”, observa.
Nesse contexto, a Conferência do Clima da ONU (COP 30), que será realizada em Belém (PA), em novembro de 2025, ganha contornos geopolíticos relevantes. A ausência ou o boicote dos EUA pode, paradoxalmente, abrir espaço para que outras potências e blocos regionais avancem com mais ambição.
Protagonismo Chinês
A China, por exemplo, já demonstra disposição em assumir protagonismo. “Era um G2 entre China e Estados Unidos. Agora é um G1. E a China sabe disso”, afirma Angelo. Ele acredita que há uma janela de oportunidade para o surgimento de uma coalizão mais diversa e descentralizada, com Brasil, União Europeia e países do Sul Global ocupando posições de liderança.
Para ele, a presença americana, se confirmada, pode ser mais nociva do que benéfica. “A melhor notícia seria os Estados Unidos não virem. Porque, se vierem, virão para atrapalhar”, afirma.
Apesar das possibilidades, os desafios permanecem. As emissões americanas precisarão ser compensadas por outras nações , algo que, até o momento, nenhum país está disposto a fazer.
“Sem os EUA, esse carbono vai ter que sair de algum lugar. Mas ninguém está disposto a aumentar suas próprias metas para compensar essa ausência. Essa coisa de estabilizar o crescimento global em 1 grau e meio, esquece. Isso sem os Estados Unidos é impossível acontecer”, alerta.
Há ainda o risco de uma nova distorção econômica. Empresas dos Estados Unidos, sem as mesmas exigências ambientais, podem competir de forma desleal no mercado global. “Esses produtos vão ter que ser taxados de alguma forma. Isso já acontece entre China e EUA, e deve se estender para questões climáticas em breve”, diz Angelo.
Mesmo com os entraves, ele acredita que a COP 30 pode marcar um ponto de inflexão: “Quando falamos da agenda climática, está na hora do mundo agir como se os Estados Unidos não existissem.”
Controvérsias históricas
Esta história, no entanto, parece se repetir. Há 20 anos, durante a 11ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 11), em Montreal, Canadá, os EUA não deram o aval e ficaram oficialmente fora do Protocolo de Kyoto. Embora tenha sido firmado em 1997, o protocolo entrou em vigor em 2005 e previa metas rígidas de redução de gases de efeito estufa para países desenvolvidos. O então presidente norte-americano, George W. Bush, entretanto, retirou a potência mundial ao alegar que o acordo prejudicaria a economia do país e isentava nações em desenvolvimento, como a China e a Índia.
A ausência dos EUA na implementação do Protocolo de Kyoto trouxe inseguranças e instabilidade ao processo. Isto pois a não adesão colocou em dúvida a eficácia do pacto e ressaltou o desafio de alinhar as ambições climáticas com os interesses econômicos nacionais. Apesar das críticas e, mesmo diante das urgências ambientais, o país não voltou atrás na decisão. Assim, na COP 11, apenas 55 países, que eram responsáveis por mais de 55% da emissão de gases de efeito estufa ratificaram o acordo. O Brasil aderiu ao pacto em 2002, ao se comprometer nos termos previstos.
O primeiro período do Protocolo de Kyoto permaneceu em vigor até 2012, quando deu lugar à elaboração do Acordo de Paris. Este pacto foi ratificado em 2015 e foi um dos principais legados do então presidente norte-americano Barack Obama que concordou e assinou o tratado mundial. Este programa tinha como principal objetivo manter o aumento da temperatura média mundial abaixo de 2ºC, além das reduções de gases de efeito estufa e fornecer apoio financeiro aos países em desenvolvimento.
Governo Trump e mudanças climáticas
Após o governo democrata de Obama, o republicano Donald Trump venceu as eleições em 2016 e deu início a um projeto negacionista no poder americano. Em 2017, o presidente anunciou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. Esta decisão, no entanto, foi efetivada dois meses antes de Trump deixar o cargo. Assim, o ex-presidente Joe Biden revogou a medida.
Em 2025, porém, Trump retornou à presidência e logo no primeiro dia de mandato assinou diversos decretos. Entre eles, mais uma vez, a retirada dos EUA do Acordo de Paris. Como este é o primeiro ano de governo de liderança de Trump, ele estará à frente da principal cadeira da Casa Branca para validar a saída. Angelo disse que a saída do país prejudicará as metas ambientais estipuladas e também os países com economias piores.
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