A Baía que não dá voto: porque o Rio ainda despeja esgoto em um de seus maiores patrimônios naturais
- Marcelo Nunis
- 24 de jun.
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Especialistas apontam que a falta de prioridade política, alianças partidárias e programas descontinuados mantêm a Baía de Guanabara entre as mais poluídas do mundo
Por: Marcelo Nunis

Por trás do esgoto despejado diariamente na Baía de Guanabara está uma dinâmica político-eleitoral que atravessa décadas o Rio de Janeiro. As políticas de despoluição da Baía datam do início dos anos 90, mas a falta de prioridade sanitária e ambiental dos governos fluminenses faz da região umas das mais poluídas do mundo. Especialistas apontam que a descontinuidade de programas importantes, como PDBG e o PSAM, faz a despoluição quase inviável. Alertam também que há interesses políticos-partidários que podem resultar em poucos avanços na despoluição.
Para além da descontinuidade de programas de despoluição e de interesses político-partidários, a Baía de Guanabara sofre com mais de 18 mil litros de esgotos despejados ‘in natura’ por segundo. Isso é equivalente a 622 piscinas olimpíadas por dia. Outras estimativas, como da concessionária Águas do Rio, que administra o abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro, calculam entre 1 milhão a 82 milhões de litros de esgoto despejados por dia na Baía.
O ambientalista e autor do livro “Baía de Guanabara: descaso e resistência”, Emanuel Alencar, revela que antes do PSAM (Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara), criado em 2012 para suceder programas anteriores, e o PDBG (Programa de Despoluição da Baía de Guanabara) de 1994, só 5 % (por cento) do esgoto era tratado. Agora 24% do esgoto despejado na Baía passa por algum tipo de tratamento. Mas, reitera Alencar, que as obras de conexão entre as residências das pessoas e os centros de tratamento não foram finalizadas ou iniciadas.
“Muitas dessas obras tiveram seus cronogramas atrasados por interesses pouco republicanas” afirma Emanuel Alencar. A cidade de São João de Meriti é um exemplo disso, na visão do ambientalista. O município, que tem em torno de meio milhão de habitantes, ainda convive sem uma rede coletora de esgoto satisfatória, em razão de “politicagem” que não estabelece um contrato de água e esgoto da região. Nesse sentido, programas que não trazem benefícios eleitorais diretos acabam sendo enfraquecidos ou mesmo descontinuados, reitera Alencar.
Da mesma forma, o deputado estadual e ex-vice-governador, Luiz Paulo da Rocha, lembra que a falta de continuidade política foi um dos fatores decisivos para a descontinuidade de programas como PDBG e PSAM. "Do ponto de vista eleitoral, a poluição tira voto, e a não dá voto” afirma o parlamentar, que ainda completa“ que as políticas públicas, infelizmente, têm sido de governo, e não de Estado". O deputado, que tem como uma das bandeiras o ambientalismo, acredita que não há uma prioridade de investimento das três esferas de poder, tanto da União, do Estado e dos Municípios.
Dessa forma,“o grande flagelo central da Baía de Guanabara é o despejo de esgoto doméstico” relembra Emanuel Alencar, que destaca que “se tratarmos entre 30% a 50% (por cento) do esgoto in natura a qualidade da Baía iria melhorar bastante, principalmente na balneabilidade”. Alencar também destaca que atividades no setor petroleiro contribuem com a poluição, e que as autoridades devem “garantir o uso múltiplo da Baía de Guanabara para atividades como o ecoturismo.”
Recentemente, no entanto, surgiram novos progressos. Em agosto de 2021, o Governo do Estado do Rio de Janeiro assinou um acordo com a iniciativa privada dando às concessões de águas e esgoto da região metropolitana. O acordo prevê a cobertura de 99% (por cento) da rede de abastecimento de água e 90% dos sistemas de esgoto. Para o deputado estadual Luiz Paulo da Rocha, esses acordos firmados podem representar avanços, mas as concessionárias tendem a solicitar revisões e postergações na justiça, o que gera insegurança.
Enquanto o debate institucional prossegue, pequenos sinais de melhoria são observados em determinadas áreas da Baía de Guanabara. O mergulhador e cinegrafista Ricardo Gomes, que documenta a vida marinha da região há mais de três décadas, relata que já identificou um crescimento significativo na biodiversidade nas enseadas de Botafogo e Flamengo. Gomes afirma que “mais de 80% dos dias foram próprios para banhos nessas regiões.” O ambientalista e mergulhador considera que as ações de canalização do Rio Carioca e a limpeza do interceptador de Ipanema foram responsáveis pela recuperação.
Mas, apesar dos avanços, Emanuel Alencar e Ricardo Gomes alertam que além da questão do despejo de esgoto in natura, as ocupações irregulares e o lixo são agentes também da poluição. “As ocupações das margens de rios e córregos em torno da Baía interferem significativamente na despoluição.” alerta Alencar. Gomes relata que já presenciou um polvo-pigmeu do Atlântico dentro de uma lata de cerveja. “Eu estava lá e registrei o animal preso na latinha de cerveja na praia da Urca, com tamanho de uma palma de uma mão.”
Na avaliação dos ambientalistas, como Emanuel Alencar e Ricardo Gomes, a chave para romper o ciclo de promessas descumpridas é a participação popular. “Não existe justiça social sem justiça ambiental.. Hoje estou lutando por essas justiças.” disse Gomes. Alencar acredita que “o caminho passa por uma ação que começa de baixo, não podemos ficar esperando…Acho que a solução atravessa um controle social, com uma sociedade organizada.”

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