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Coletivo “Arteração” mobiliza jovens das periferias do Rio contra a crise climática com arte e educação


Iniciativa fundada por Erick Soares transforma vidas com projetos de justiça climática, formação cidadã e protagonismo juvenil em territórios marginalizados.


Por: Gustavo Bertolozo


Exibição do produto final da oficina do Arteração “Audiovisual como ferramenta política: Racismo ambiental e emergência climática.” — Foto por Will Dubrok
Exibição do produto final da oficina do Arteração “Audiovisual como ferramenta política: Racismo ambiental e emergência climática.” — Foto por Will Dubrok

Em territórios frequentemente negligenciados pelas políticas públicas e pelas pautas ambientais globais, um movimento silencioso, mas profundo, tem ganhado força nas periferias do Rio de Janeiro. Jovens que antes viam a crise climática como algo distante, alheio à sua realidade imediata, passaram a compreendê-la como algo que atravessa suas casas, ruas e corpos. No centro dessa mudança está o Coletivo Arteração, iniciativa que busca transformar o ativismo ambiental em ferramenta de educação, cidadania e pertencimento.


Esse olhar ampliado que compreende a mudança não apenas como pessoal, mas geracional e coletiva é compartilhado por outros jovens que passaram a integrar o Arteração. Cada nova voz que chega ao coletivo traz uma vivência marcada por ausências, mas também por uma vontade concreta de transformação.


O impacto do coletivo foi reconhecido, quando o Arteração foi um dos vencedores do edital Chama da Solução – Mudanças Climáticas, promovido pelo UNICEF em parceria com o CEDAPS. A premiação possibilitou o fortalecimento de suas ações em territórios periféricos, apoiando financeiramente e tecnicamente projetos voltados à justiça climática liderados por adolescentes e jovens.


Um exemplo deste processo de transformação e de conectividade com as causas propostas pelo projeto é a jovem Jully Alves, que ao ser perguntada no início de sua participação sobre qual era seu objetivo dentro do coletivo, respondeu com clareza: “Quero participar porque não vejo o Arteração apenas mudando a minha realidade, mas a realidade de toda uma geração”. A fala sintetiza o espírito do projeto: mais do que formar indivíduos, o coletivo cultiva redes de engajamento e ação, propondo alternativas ao abandono estrutural enfrentado pelas juventudes marginalizadas.


Esse sentimento de pertencer e transformar também é compartilhado por Danilo Quadra, que encontrou no Arteração um divisor de águas em sua vida. 


  • Eu expandi ainda mais o Networking com organizações que atuam em favor dessa pauta, da resolução dos problemas ambientais. Então isso já foi uma conquista para mim. Estar em espaços elitizados que para mim só existia a possibilidade de grandes estudiosos falarem sobre o assunto, mas eu descobri que existe a justiça climática pautada pela juventude.


Uma vez que o projeto não apenas dá voz a quem historicamente foi silenciado, como também constrói espaços de formação política, técnica e afetiva para jovens que, como Jully e Danilo, passam a se enxergar como personagens de uma nova narrativa ambiental. Em um cenário marcado pela desigualdade e pela exclusão, o Arteração prova que a transformação começa no território, e que a justiça climática só será possível com a escuta e a ação vinda da base.


O coletivo atua como espaço de reconstrução subjetiva, onde jovens historicamente excluídos da narrativa ambiental global passam a serem ouvidos. As ações não se limitam a alertas sobre desmatamento ou poluição: discutem racismo ambiental, justiça climática, soberania popular e o direito à cidade. Para muitos, como Danilo, esse despertar resultou não apenas em engajamento político, mas em acesso à universidade, ao trabalho e ao reconhecimento do próprio valor social.


Essa abordagem ampla do Arteração em territórios como Brás de Pina, Santa Cruz e Caxias, é uma de suas maiores forças. A crise climática, ao contrário do que se pensa, não é democrática: atinge com mais severidade justamente aqueles que menos contribuem para ela. Favelas e periferias enfrentam alagamentos, deslizamentos, falta de saneamento e ilhas de calor com intensidade crescente. Ainda assim, raramente esses territórios são incluídos nas soluções. O coletivo rompe essa lógica, propondo que as respostas venham, justamente, de onde os impactos são mais sentidos.


A atuação do Arteração também desafia a maneira tradicional de se pensar educação ambiental. Em vez de impor modelos prontos, escuta-se o território. Em vez de apenas informar, compartilha-se conhecimento a partir da experiência vivida. Em vez de ver os jovens como futuros cidadãos, reconhece-se sua ação no presente. É uma pedagogia que valoriza a cultura periférica, o diálogo entre pares e o engajamento ativo com os problemas socioambientais locais.


Além de Danilo, dezenas de outros jovens encontraram no coletivo um espaço de escuta e construção. O que se vê, é o surgimento de uma rede de cuidado e de ação, uma comunidade engajada na transformação da realidade. A partir das formações, muitos passaram a desenvolver projetos próprios, atuar em escolas, promover ações em praças e ocupar espaços de discussão sobre políticas públicas. Esses jovens se tornam multiplicadores,  e suas vozes, antes ignoradas, começam a reverberar.


Esse protagonismo local se conecta com uma agenda mais ampla. Com a COP 30 prevista para ocorrer em Belém, em 2025, o Brasil se torna palco das negociações climáticas globais. No entanto, enquanto chefes de Estado se reúnem em grandes plenárias, a luta diária pela sobrevivência ambiental já acontece nas margens. Projetos como o Arteração demonstram que as soluções mais eficazes muitas vezes nascem longe dos centros de poder. E que jovens como Danilo não estão apenas preparados para participar dos debates — eles já os estão promovendo.


Em sintonia com essa iniciativa, o Rio de Janeiro também abriga o projeto Chama da Solução, uma ação do UNICEF em parceria com o CEDAPS que incentiva adolescentes e jovens de favelas e periferias a desenvolverem soluções locais para os impactos da crise climática.

A experiência de : ativismo que transforma vidas

 

À frente do coletivo está  Soares, jovem ativista do UNICEF que criou o Arteração para dar voz e visibilidade às questões ambientais enfrentadas em sua comunidade. Para ele, o engajamento com o Arteração não é apenas uma luta ambiental, mas uma transformação pessoal e comunitária.


  • O Arteração mudou tudo! Porque ele é o super-herói que eu sempre quis ter na minha infância e não tive. O Arteração chegou como um espaço de conforto, porque eu cresci sem pai biológico. Eu entro para a pedagogia na ordem por conta disso. Eu começo a fazer vários projetos sociais a partir do coletivo, entendendo as necessidades do meu território, do meu bairro, entendendo as necessidades dos meus pares. E a gente passou a entender que a educação entre pares era uma metodologia eficiente. Através da educação, da cultura, da saúde, da formação cidadã, a gente entende o coletivo enquanto um espaço de ressignificação de existência.


A trajetória relatada evidencia como a atuação no coletivo Arteração contribuiu para o desenvolvimento de uma consciência social mais ampla. A partir do envolvimento em projetos comunitários, o jovem passou a reconhecer a educação entre pares como um instrumento eficaz de transformação.


  • Foi transformando minha vida pessoal e profissional de diversas formas, como eu me comportava, passei a me atentar a algumas temáticas sociais, políticas que eu não sabia. Comecei a procurar vagas de jovem aprendiz que fosse na área da educação, passo para a universidade. E com isso, tudo muda. Foram várias transformações em mim. Mas a maior transformação é que o conceito de coletividade me despertou. A empatia me estimulou muito. O entendimento de que o ativismo  podia transformar do micro ao macro. E  fui desenvolvendo a capacidade de fazer o ativismo. Essa capacidade de proteger, de defender, de lutar por causas, não só minhas, mas dos meus semelhantes, explica Eric Soares. 


A participação no edital consolidou o projeto como uma referência no engajamento juvenil frente às emergências ambientais vividas nas periferias urbanas. A conquista possibilitou ao coletivo ampliar suas atividades e fortalecer seu alcance em territórios vulnerabilizados, com apoio técnico e financeiro para o desenvolvimento de propostas voltadas à justiça climática e à mobilização comunitária


O projeto, que recebeu apoio financeiro e técnico para implementar ações diversas, desde a construção de jardins verticais até a realização de webséries educativas, tem ampliado o alcance do debate sobre educação ambiental em comunidades tradicionalmente marginalizadas. Entretanto, segundo Eric, alguns desafios também fizeram parte da experiência do coletivo. 


  • Foram muitos desafios com o Arteração. Porque muitos jovens chegavam às vezes sem ter o que comer, jovens que pensavam em ir para a vida errada e desistiram, outros que pensavam em suicídio. Jovens que pensavam em desistir da vida e que viram no Arteração uma inspiração.


Histórias de superação se multiplicam entre aqueles que enfrentavam a fome, a depressão, o abandono ou a criminalidade. Em meio a esse cenário, o coletivo surge como um ponto de virada, oferecendo não apenas acolhimento, mas caminhos para reescrever trajetórias. É nesse contexto que se insere o relato de uma jovem cuja história ilustra com força a potência transformadora do projeto.


  • Tinha uma jovem que passou por uma situação de estupro. Ela foi violentada e tinha uma história de vida muito complicada, não por conta dela, mas pelas situações de vida. Ela tinha perdido o pai e a mãe e cresceu sendo criada pelas ruas. Ela se criou, criou uma vida auto-sustentável. E ela viu no Arteração uma coragem. Trazer ela para espaços de ativismo social, receber protagonismo, posição de liderança, incentivo a estudar em faculdade, ajudar a arrumar um emprego.Temos no Arteração uma comunidade, uma rede de apoio. Ela é uma jovem preta, favelada e precisava ao invés de receber uma voz, ter a voz dela respeitada e sobretudo, ter acesso a um espaço que ela não tinha antes,  relembra o Erick Soares.  

Educação ambiental como pilar para a mudança


Joana Fontoura, oficial de Desenvolvimento e Participação de Adolescentes do UNICEF no Rio de Janeiro, destaca a importância da educação ambiental nesse contexto:


  • A metodologia do Chama da Solução parte do princípio de que adolescentes e jovens são agentes de transformação. Eles identificam os impactos climáticos em seus territórios – como deslizamentos em morros ou poluição de rios – e co-criam soluções adaptadas às suas realidades. Um grupo na Paciência, por exemplo, desenvolveu um jogo de tabuleiro humano sobre os ODS, alcançando mais de 370 jovens. Essas iniciativas mostram que a educação ambiental só é efetiva quando dialoga com o cotidiano das comunidades, afirma a especialista.

 

Segundo Joana, a participação ativa dos jovens na construção de soluções é fundamental para garantir que políticas públicas e ações locais estejam alinhadas com as reais necessidades das comunidades, especialmente em um cenário de vulnerabilidades sociais e ambientais.


  • Conectamos essas iniciativas à Agenda 2030 e à COP 30 por meio de três eixos: formação técnica, articulação com gestores públicos e visibilidade em espaços como o U20, vinculado ao G20. Em 2023, levamos jovens como  para debater em fóruns internacionais, mostrando que soluções locais alimentam a governança global. A COP 30 será crucial para pressionar por políticas que ampliem projetos como o Arteração.


O Ano da COP 30 e o protagonismo juvenil


A COP 30, que ocorrerá em Belém em 2025, é vista como uma oportunidade crucial para que o Brasil fortaleça seu compromisso com a agenda climática global. Para jovens ativistas como Eric, o evento representa um espaço para amplificar vozes que muitas vezes ficam à margem das decisões políticas.

  

  • Eu tenho grandes expectativas de financiamento climático e que liberem o dinheiro, porque são práticas capitalistas que são grandes causadoras de poluições e desastres. Empresas que estão poluindo, usando ainda o petróleo como fonte principal e tem destruído o solo, águas, quantos lugares já foram devastados, como Brumadinho. Eu acredito que a COP vai ser os grandes líderes olhando para o futuro. E vamos crer que eles vão apostar nesse futuro.


A fala reforça a expectativa de que a COP 30 não seja apenas um encontro simbólico, mas uma oportunidade concreta para revisão de práticas econômicas e implementação de políticas climáticas mais justas. Ao mesmo tempo, aponta para a urgência de incluir vozes historicamente silenciadas no debate global, especialmente aquelas que vivenciam diretamente os impactos da crise ambiental.


  • E nós, jovens, temos um papel crucial de trazer as demandas, porque não é o presidente da república que está na favela no dia a dia. Não é aquele representante que está às vezes num país subdesenvolvido. Mas sim, a juventude, que está ali no dia a dia lidando com as dificuldades. É a juventude que está entendendo as necessidades. Então, espero que esses jovens ativistas estejam em espaços como este para termos uma representação enquanto sociedade civil, completa o jovem ativista. 


Além disso, os projetos como o Arteração e outros coletivos participantes do Chama da Solução mostram que a mobilização local é um passo decisivo para o cumprimento das metas da Agenda 2030, especialmente aquelas relacionadas à educação de qualidade, ação climática e redução das desigualdades. E Erick Soares ressalta a importância desta mobilização durante a COP 30. 


  • A COP será um movimento de conscientização e mobilização. É através da COP que veremos as notícias, a mídia, a comunicação e conteúdos sendo feitos por ativistas, empresas, pelo governo. É através da COP que vamos conseguir mobilizar campanhas, manifestos. Principalmente em locais onde o Arteração atua é importante que a gente faça esse movimento de pegar as informações, às vezes filtrar, traduzir para aqueles que não tem acesso ao inglês, a alguns conceitos como mitigação, racismo ambiental e justiça climática. Para que possamos incluir algumas pessoas. Espero que seja esse movimento que respeite e inclua pessoas na nossa luta e não seja um espaço de segregação.


Impacto e legado


Até o momento, mais de 2.000 adolescentes e jovens foram diretamente envolvidos nas ações dos dez coletivos selecionados pelo projeto no Rio de Janeiro, com atividades que vão desde limpeza de rios até a criação de jogos educativos sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).


Por fim,  Joana Fontoura reforça que o UNICEF continuará apoiando essas iniciativas, fortalecendo a participação juvenil e garantindo que as soluções construídas nas periferias possam influenciar políticas públicas e inspirar outras comunidades.


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