Brasil tem vantagem sustentável na corrida dos elétricos diante de matriz elétrica limpa
- Luiza Cravo
- 24 de jun.
- 7 min de leitura
“Hoje, o carro elétrico em muitos lugares, considerando o ciclo de vida, ainda tem uma pegada de carbono maior. No entanto, no Brasil, que tem uma matriz energética muito limpa, ele pode ser competitivo”, afirma o doutor em engenharia mecânica Tadeu Cordeiro sobre o impacto ambiental da matriz elétrica nos carros elétricos.
Por: Luiza Cravo

O Brasil pode ser um dos principais países em que os carros elétricos realmente sejam competitivos em parâmetros ambientais. Esse fator depende do tipo de fonte de energia usada para o carregamento das baterias. O doutor em engenharia mecânica Tadeu Cordeiro destaca a vantagem do Brasil. “A matriz energética influencia diretamente. Se você tem uma matriz energética com muito uso de combustível fóssil, por exemplo carvão ou gás natural, você vai jogar esse CO2 para abastecer o carro elétrico. No entanto, no Brasil, que tem uma matriz energética muito limpa, ele (o carro elétrico) pode ser competitivo em relação aos carros movidos a combustão”, diz Cordeiro.
A crescente frota de carros elétricos que dominam as ruas parece ser uma solução para os impactos ambientais que a queima de combustível fóssil causa. Dados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) apontam que, no ano de 2024, 117.358 veículos elétricos e híbridos foram emplacados no Brasil - 89% a mais que no ano de 2023.
Cerca de 61,9% da matriz elétrica (energia usada para gerar eletricidade) brasileira é hidráulica, segundo dados do Balanço Energético Nacional de 2023. Além disso, 4,4% é solar e 11,8% eólica. Assim, juntas, mais de 70% da energia elétrica do país é de fonte limpa e renovável.
Esse cenário coloca o Brasil em vantagem quando comparado a outros países, como Estados Unidos, que tem o gás natural (extremamente poluente) como principal fonte de energia elétrica. Na transição para carros elétricos, entender o impacto da geração da energia que vai abastecer as baterias é fundamental para definir se esse modelo é realmente menos poluente do que os movidos a combustão.
Diante disso, é fundamental entender o real impacto dos carros movidos a energia elétrica, não apenas no seu ciclo de vida mas também em sua produção e descarte. Para entender os desafios e oportunidades dessa transição energética no setor automotivo, o engenheiro mecânico Tadeu Cordeiro, especialista em Engenharia de Equipamentos Eletrônicos, com sólida experiência na área, analisa o cenário brasileiro, os entraves tecnológicos e ambientais, e aponta por que o carro elétrico, apesar de promissor, ainda não é a única resposta para um transporte mais sustentável.
Embora os carros elétricos não emitam gases pelo escapamento, eles realmente são menos poluentes do que os carros a combustão, considerando todo o ciclo de vida?
A questão é a geração da energia elétrica para abastecer o carro. A China, por exemplo, usa muito carvão, apesar de estar investindo em muita energia renovável. Hoje, o carro elétrico em muitos lugares, considerando o ciclo de vida, ainda tem uma pegada de carbono maior (tendo em vista a matriz energética). No entanto, no Brasil, que tem uma matriz energética muito limpa, ele pode ser competitivo considerando o etanol. Os países que produzem carros elétricos sabem disso e vão tentar limpar a matriz. Então, ao longo do tempo, a tendência é que os carros elétricos sejam cada vez mais limpos. A resposta depende de caso a caso.
Há riscos sociais e ambientais envolvidos na mineração desses materiais em países produtores?
Ter uma indústria que seja sustentável, gera riqueza para a região. A questão é minimizar os riscos ambientais. Toda indústria que é extrativista, se não houver o cuidado com o meio ambiente e para mitigar os riscos e não houver um plano de emergência caso ocorra algum acidente, você está sujeito a isso. Há questões geopolíticas de extração, como o lítio no Congo. Mas isso também acontece com o petróleo, vários países do Oriente Médio produzem petróleo. Muitas ditaduras são financiadas pela indústria do petróleo. À medida que você vai precisar de mais lítio, você vai ter mais empresas buscando e vai descobrir novas reservas. O lítio vai cair de preço o que vai levar a bateria a ficar mais barata, o que vai tornar o carro elétrico mais competitivo.
Como é o processo de fabricação das baterias e qual sua pegada de carbono?
É um processo complexo, temos que separar em dois módulos. Primeiro a fabricação da célula. A bateria, na verdade, é um conjunto de várias células, como se fossem várias pilhas em paralelo. Essa célula são poucos os países que produzem, Coreia, China, Japão e agora algumas unidades da Europa - esses são os grandes ‘jogadores’. É uma indústria super sofisticada, porque demanda um controle ambiental e é necessário uma alta produção para ter um custo competitivo. Uma vez que você tenha uma célula, é preciso montar o pack de bateria. Essa montagem já é feita em outros países. Quando se fala de fábrica de bateria, seria uma fábrica de montagem dessas células, colocar elas em paralelo. Há um sistema de gerenciamento da bateria, porque é preciso controlar a temperatura da bateria durante o carregamento. Ela não pode superaquecer mas também não pode ficar muito fria, não se pode carregar tudo e também não pode descarregar tudo. Então o carro tem uma dinâmica muito específica da bateria. E na hora de abastecer, você quer abastecer muito rápido, mas se abastece rápido demais você pode superaquecer a bateria e pode danificar. É um compromisso complexo. O grande segredo é controlar as temperaturas da carga e da descarga, para aumentar a vida útil da bateria. A pegada de carbono vai depender da fonte de energia elétrica de cada país.
O que acontece com as baterias quando atingem o fim de sua vida útil? Elas podem ser recicladas com eficiência?
O carro, por exemplo, perde muita potência, então isso pode prejudicar o desempenho. O carro vai andar, mas vai perder força. Mas, a bateria pode ser muito útil para conectar a um painel solar, por exemplo. Quando você gera energia solar, você precisa de uma bateria para armazenar essa energia. Essa bateria do carro elétrico seria para isso. Pode ter outras vidas e depois entra em um processo de reciclagem. Isso vai depender muito do processo de cada montadora. Há estudos de baterias que apontam que se uma célula da bateria danificar, isso prejudica a performance toda. Então se busca tecnologias mais modernas que consigam identificar quais células estão com problema e isolá-las, a fim de estender a vida útil da bateria.
Quais são os maiores desafios atuais para a reciclagem em larga escala?
Imagino que para criar uma indústria de reciclagem que seja competitiva é preciso ter o incentivo governamental e criar uma cadeia para ter o suprimento de baterias para a reciclagem junto de um sistema para coletar os metais, como o lítio.. E, além disso, existem diferentes fabricantes, então é um desafio acessar essas células de diferentes fabricantes, uma vez que não há um padrão de bateria. Por exemplo, a Tesla usa uma bateria Panasonic, que é pequena, outra já usa uma bateria de fosfato de ferro, que é outro modelo. Então essa indústria de reciclagem vai precisar aprender a lidar com diferentes baterias. Não é simples.
A matriz energética usada para recarregar os carros influencia no impacto ambiental total? Como isso varia de país para país?
A matriz energética influencia diretamente. Se você tem uma matriz energética com muito uso de combustível fóssil, por exemplo carvão ou gás natural, você vai jogar esse CO2 para abastecer o carro elétrico. É uma questão que não é tão falada, tanto para fazer a bateria quanto para alimentar o carro elétrico. O carro elétrico é bem mais eficiente que a combustão, a combustão a gente fala de uma eficiência de 30-35% no máximo, e o carro elétrico é na faixa de 80-90%. E em uma termoelétrica, também tem uma eficiência maior, 40-50%, apesar de ser combustão. Então, no geral, usar carro elétrico, é mais eficiente. Mas, como a produção da bateria demanda muita energia, acaba ficando menos competitivo. Então, a matriz vai variar.
Carros elétricos são realmente sustentáveis se a energia que os alimenta vem de fontes fósseis?
Para efeito de poluição local, o carro elétrico é imbatível. Ele tem um problema que gasta muito pneu, por ser mais pesado, mas, em gases, não têm descarga. Então, para a qualidade do ar e a saúde das pessoas naquele local é excelente. Com a emissão de CO2 vai depender da matriz.
Quais avanços tecnológicos estão sendo desenvolvidos para reduzir o impacto ambiental das baterias?
Estão sendo investidos bilhões de dólares no mundo todo para pesquisar baterias, para reduzir o peso, aumentar a capacidade e reduzir o custo. Ter menor volume, maior densidade de energia por massa e maior autonomia. Hoje ainda tem um peso elevado e um custo significativo em relação ao peso do carro. Gerar uma bateria menor que ande a mesma quilometragem mas use menos energia. O grande investimento hoje é na redução de custo, de peso e aumentar a densidade de energia das baterias.
É possível imaginar um futuro com carros elétricos 100% sustentáveis?
A gente sempre fala que não existe uma solução única e imaginar que tudo vai ser elétrico. O problema do carro elétrico é a infraestrutura, o carregador. Para uma dinâmica de carro elétrico é preciso ter carregadores rápidos. E essa infraestrutura, para distribuir carregadores rápidos em vários locais é caro, se não houver incentivo do governo. E o governo precisa ter dinheiro, então países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento vai ser muito difícil. Porque a energia elétrica vai estar disponível na produção mas a distribuição é o gargalo. A rua já está no limite do fornecimento de energia elétrica. Você começa a encher todo mundo com carro elétrico e o transformador não vai aguentar. Para as geradoras, o volume de carro elétrico vai aumentar 5-10% e consegue suprir isso. Mas onde está consumindo que vai ser complicado.
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