Três anos sem Dom e Bruno: o Vale do Javari ainda sob ameaça
- Bruna Arruda
- 24 de jun.
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Por Bruna Arruda

Três anos após os assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, o Vale do Javari segue como uma das regiões mais vulneráveis da Amazônia brasileira. Localizado na fronteira com o Peru e a Colômbia, o território é alvo de invasões, crimes ambientais e ações de facções armadas que se aproveitam da ausência do Estado para explorar recursos naturais e consolidar rotas ilegais.
O Vale abriga o maior número de povos indígenas isolados do mundo. São ao menos 26 registros de grupos em isolamento voluntário, além de etnias como os Marubo, Kanamari, Matis e Korubo. A extensão da terra indígena — mais de 8,5 milhões de hectares — torna o monitoramento complexo. Mas as maiores dificuldades, segundo lideranças locais, não são geográficas: são políticas.
Apesar de algumas operações terem sido retomadas pelo governo federal nos últimos dois anos — com destruição de dragas e fiscalização em áreas de pesca e garimpo —, a atuação estatal segue sendo alvo de críticas. “A presença efetiva do Estado no Vale é a militar — e mesmo assim, de forma bastante limitada e "preguiçosa". A atuação é, na prática, ineficaz e aquém do que a região demanda. Isso obrigou os próprios indígenas a criarem suas próprias estratégias de proteção, formando equipes autônomas para defender o território”, disse o jornalista Sergio Ramalho, que cobriu as investigações das mortes de Dom e Bruno.
Relatos de agentes indígenas de monitoramento apontam para uma escalada silenciosa da pressão sobre o território. Pesca predatória, caça ilegal e movimentações fluviais noturnas por embarcações armadas fazem parte da rotina. A tríplice fronteira virou rota estratégica para o narcotráfico, que se associa a atividades como o garimpo e o comércio de pescado ilegal. Facções brasileiras com presença na região amazônica disputam o controle dessas rotas, usando coação e violência contra quem denuncia ou tenta impedir.
“Hoje temos medo de andar sozinhos no nosso próprio território. As ameaças continuam, e pouca coisa mudou de verdade”, disse um agente indígena, sob anonimato. De acordo com ele, a morte de Bruno e Dom não diminuiu os riscos, apenas reforçou a percepção de vulnerabilidade. A sensação entre os povos é de abandono.
Bruno Pereira havia sido coordenador da Funai e dedicava sua atuação à proteção de povos isolados. Criou, junto à Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), um sistema de vigilância indígena que permanece ativo. Jovens indígenas percorrem a floresta com GPS e câmeras, documentando invasões e coletando provas para encaminhar a autoridades. O trabalho, no entanto, é feito com recursos limitados e sem garantia de proteção.
“Tive a sorte de conhecer de perto o legado do Bruno, que foi fundamental na criação e fortalecimento da Univaja. Ele conseguiu unir povos de diferentes etnias, mesmo com históricos de conflito, em torno de um objetivo comum: a proteção do território. Além disso, incentivou jovens e mulheres a se apropriarem das redes sociais, o que gerou uma produção cultural potente e com alcance para além da floresta”, disse Sérgio Ramalho.
Dom Phillips, jornalista colaborador de veículos internacionais como The Guardian, acompanhava o trabalho de Bruno para escrever um livro sobre a conservação da Amazônia. Ambos foram assassinados em junho de 2022, quando viajavam pelo rio Itaquaí. Os acusados confessaram o crime, mas lideranças indígenas ainda cobram a identificação dos mandantes e das redes criminosas envolvidas nas pressões sobre a região.
Segundo Beto Marubo, uma das principais vozes da Univaja, os problemas que Bruno e Dom denunciavam continuam. “Eles foram mortos porque enfrentaram um sistema já estruturado. E esse sistema segue operando com apoio local e articulação externa”, afirmou em entrevista recente. A liderança defende a presença permanente do Estado, com ações integradas entre Funai, Ibama, Forças Armadas e Polícia Federal.
Três anos depois do crime que expôs ao mundo a vulnerabilidade da região, os desafios persistem — e os riscos, também.
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