Rocinha no futuro: jovens líderes planejam agenda 2030 da favela
- Rodrigo Silva
- 24 de jun.
- 4 min de leitura
Em ano de COP-30, crias da maior favela do Brasil se reúnem para planejar agenda 2030 da Rocinha. Projeto pretende pautar os desafios existentes no território e trazer soluções
Por: Rodrigo Silva

Após concluírem uma capacitação para lideranças comunitárias, quatro jovens se reuniram para pensar sobre o território em que vivem e o que poderiam fazer para mudar a realidade. Charlie Gomes, 26, ativista climático e estudante de jornalismo, Camilla Carvalho, 29, turismóloga, João Camargo, 25, ator, e Kevin Santos, 27, estudante de serviço social, uniram forças e decidiram planejar a Agenda 2030 da Rocinha. O projeto, com previsão de lançamento para o segundo semestre deste ano, pauta os desafios existentes na maior favela do Brasil, a emergência climática global e metas locais para os próximos cinco anos.
Baseada em três ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU (Organização das Nações Unidas), a agenda é um documento físico e digital com objetivos. Ela serve como um plano de ação coletivo para engajar a população local, alertar as autoridades sobre problemas na favela e possíveis soluções até 2030. Os três ODS representados são o ODS 10 (redução das desigualdades), 11 (cidades e comunidades sustentáveis) e 13 (ação contra a mudança global do clima). Questões como falta de saneamento básico, luz, água, educação, cultura, lazer, planejamento urbano e racismo ambiental são destaques na agenda.
Um dos planos da agenda é reunir mensalmente os moradores da Rocinha para debater e analisar os objetivos de melhoria territorial do calendário. Também pretende realizar oficinas, mutirões de limpeza, rodas de conversas, pensar novas políticas públicas efetivas, campanhas de comunicação e mobilização territorial e articular com outras agendas locais do Rio. Outras favelas da cidade como Complexo do Alemão e Rio das Pedras já possuem a própria agenda 2030.
"A Agenda 2030 é um documento para entregar à sociedade civil e aos moradores favelados. É uma diretriz pro morador, pra engajar a favela e conscientizar sobre os problemas que existem aqui [na Rocinha]. Nos baseamos no cenário nacional e internacional, com base no Acordo de Paris e nos ODS para pensar políticas públicas e trazer soluções pro território. Será uma utilidade pública pra dentro e fora do morro", explicou o ativista climático Charlie Gomes.
Detentora do título de maior favela brasileira, a Rocinha é um dos bairros mais vulneráveis a eventos climáticos. Segundo estudo inédito Rio 60º, desenvolvido pela Ambiental Media em parceria com o grupo de pesquisa RioNowcast+Green, do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense (UFF), a favela tem em média 11 mil domicílios sob risco de deslizamento devido às chuvas extremas. Deste número, 1,4 mil estão em risco muito alto de queda.
“Nós [moradores da Rocinha] estamos sempre lutando por qualidade de vida. Viemos de uma base de cidadãos que não estão satisfeitos com o que tá acontecendo. É muito lixo na rua, falta de saneamento básico, falta de luz, água... Isso não é normal! Tem que ter uma educação sócio-ambiental e sustentável para educar, conscientizar os moradores”, comentou Charlie.
Ele também ressaltou como é essencial trazer o espírito de comunidade, principalmente para os jovens que estão no território. “O acesso à informação é importante e quando ela tá atrelada a pessoas que moram no local, dando exemplo de como fazê-la ou questionando, tendo um movimento [coletivo], logo tem resultado. Os mais novos precisam estar nessa também porque eles são o futuro”
Segundo uma projeção da Prefeitura do Rio, daqui a algumas décadas, a população carioca será maioria de idosos, enquanto as favelas terão mais habitantes jovens, com menos de 15 anos. No bairro de Copacabana, por exemplo, dois terços dos residentes vão ter mais de 60 anos e apenas 4,1% serão crianças e adolescentes.
Os problemas mencionados pelo ativista são desafios frequentes na vida de um rocinhense. De acordo com a Comlurb, são semanalmente recolhidas quase mil toneladas de lixo na Rocinha. A média se concentra em 140 toneladas de resíduos sólidos coletados. Mas, ao andar em alguns sub-bairros como Valão ou Rua 2, é possível notar a presença de esgoto ao ar livre e de lixo nas ruas.
Além disso, os impactos da mudança climática são maiores nas favelas e periferias. Segundo o volume do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, os habitantes dessas regiões morreram 15 vezes mais por eventos climáticos extremos como secas, enchentes e tempestades do que quem vive em áreas seguras.
Para Mariana Belmont, jornalista, pesquisadora e organizadora do livro "Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil", territórios favelados e periféricos possuem desafios estruturais históricos que pioram a vulnerabilidade diante da emergência climática.
“A precariedade habitacional, ausência de planejamento urbano, falta de saneamento básico e drenagem, localização em áreas de risco e a negligência histórica do poder público tornam essas comunidades muito mais expostas a eventos extremos, como enchentes, deslizamentos e ondas de calor. Diferentemente das áreas centrais ou privilegiadas, onde os moradores são de maioria branca, é onde há investimentos constantes em infraestrutura, monitoramento e planos de contingência, nas favelas o cuidado é quase sempre reativo e emergencial, quando não é simplesmente inexistente”, disse a pesquisadora.
E complementa ao ressaltar a importância da Rocinha ter uma agenda territorial como uma forma de combater os efeitos das mudanças climáticas. “Iniciativas como a Agenda 2030 da Rocinha são fundamentais porque nascem do território, com base na escuta e no protagonismo local. Isso é o oposto do modelo de políticas públicas genéricas que desconsideram as realidades diversas das favelas.”
Para o morador e estudante de geografia Jorge Oliveira, 26, a nova agenda é um instrumento que melhora a Rocinha. Vítima de chuvas extremas e ondas de calor, ele diz que o morro precisa o quanto antes de uma agenda com metas estabelecidas.
“Me sinto aflito porque sempre quando acontece esses eventos climáticos, há tragédias evitáveis. Ainda em 2025, tem questões básicas para serem resolvidas. A favela pode ser uma solução de mostrar como podemos enfrentar os desafios dentro e fora dela. Acho que não conseguiremos resolver os problemas em cinco anos… Mas existe uma necessidade [da Rocinha e dos moradores] de ter uma agenda até 2030!”, refletiu Jorge.
Procurada a Secretaria Municipal de Meio Ambiente para saber como a Rocinha está sendo pensada diante das mudanças climáticas e como ela pode ajudar com a Agenda 2030, ,não recebemos retorno até o momento da publicação desta reportagem.
Comentários